Viver e compartilhar a cidade é um dos fundamentos antropológicos do turismo.
por Gilnei Casagrande
É aqui que o registro dos hábitos e
costumes ou as formas de viver de uma comunidade tem seu valor. A primavera que está batendo na porta tem algo de curioso.
Não pela rica floração, imposta pela própria natureza, mas na sua inserção,
como símbolo cultural em nossa região.
O hábito de transformar as frentes das
casas em jardins foi crescendo com o povoado de Gramado e esta responsabilidade
foi exclusivamente feminina. Oriunda do hábito do cultivo da horta onde os mais
diversos tipos de temperos ali se reproduziam, as flores impunham além de suas
belezas, a presença de uma pessoa especial.
A visita que uma mulher fazia a
outra fosse para ver o recém-nascido ou uma conversa de comadre ou um
aniversário, a muda de alguma flor era comum. A flor que vingava era a presença
de quem ofertava. Levar ou receber uma muda de flor era muito mais que um sinal
de amizade; foram os alinhavos de um grande tecido social.
Os "copos de leite", hoje um privilégio das
comunidades do interior assim como as "dálias" pouco vistas,
multicoloriram os terrenos compartilhando, com a hortênsia, o esplendor das
estações. Contudo, a roseira, me é
especial pois sempre que plantei um galho, a rosa vinha em seguida.
Uma
curiosidade transmitida pela tradição oral é que ela deve ser podada nos meses
onde a letra "r" não apareça. Não dá para afirmar que a presença de
roseiras pela cidade seja tímida. Ao contrário, em lugares pitorescos ela está
presente como na Praça João Leopoldo Lied - cujo nome, para os moradores
locais, ainda é identificada por Praça das Rosas, localizada nos limites da rua
Emilio Sorgetz.
Entretanto, o ato dessas trocas foi passando desapercebido pela
comunidade sendo que os motivos foram o progresso acelerado e a perda
silenciosa daquelas práticas ancestrais. Os depoimentos de Iracy Fries dos
Santos, 90, moradora da rua Augusto Zatti esquina com a Borges de Medeiros
refere que a roseira ali plantada lhe foi dada pela amiga Dorli Bender há
aproximadamente 60 anos.
Outro depoimento é de Maria de Lourdes Terres Gil, 81,
também residente na mesma avenida, na altura do n° 3880 refere que a muda da
roseira fora ofertada pelo padrinho Joca Lima, morador de Canela há
aproximadamente 70 anos.
Acredito que o que deve ser sublinhado com estes dois
depoimentos é que a cidade possui em seu meio social uma expressão histórico
cultural com fundamentos antropológicos que, se não é exclusivo, serviu, ao
longo das décadas, de exemplo à proliferação do paisagismo.
É por isso que vejo nas flores que hoje se debruçam nas floreiras e jardins as
mais dignas sucessoras das singulares expressões de amizade e compadrio. Por
sua vez os turistas, por meio de seus registros, criam verdadeiros mosaicos
como símbolos de suas presenças em nossas terras.
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