quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A primavera está batendo na porta

Viver e compartilhar a cidade é um dos fundamentos antropológicos do turismo. 


por Gilnei Casagrande

É aqui que o registro dos hábitos e costumes ou as formas de viver de uma comunidade tem seu valor. A primavera que está batendo na porta tem algo de curioso. Não pela rica floração, imposta pela própria natureza, mas na sua inserção, como símbolo cultural em nossa região. 

O hábito de transformar as frentes das casas em jardins foi crescendo com o povoado de Gramado e esta responsabilidade foi exclusivamente feminina. Oriunda do hábito do cultivo da horta onde os mais diversos tipos de temperos ali se reproduziam, as flores impunham além de suas belezas, a presença de uma pessoa especial. 

A visita que uma mulher fazia a outra fosse para ver o recém-nascido ou uma conversa de comadre ou um aniversário, a muda de alguma flor era comum. A flor que vingava era a presença de quem ofertava. Levar ou receber uma muda de flor era muito mais que um sinal de amizade; foram os alinhavos de um grande tecido social. 
Os "copos de leite", hoje um privilégio das comunidades do interior assim como as "dálias" pouco vistas, multicoloriram os terrenos compartilhando, com a hortênsia, o esplendor das estações. Contudo, a roseira, me é especial pois sempre que plantei um galho, a rosa vinha em seguida. 

Uma curiosidade transmitida pela tradição oral é que ela deve ser podada nos meses onde a letra "r" não apareça. Não dá para afirmar que a presença de roseiras pela cidade seja tímida. Ao contrário, em lugares pitorescos ela está presente como na Praça João Leopoldo Lied - cujo nome, para os moradores locais, ainda é identificada por Praça das Rosas, localizada nos limites da rua Emilio Sorgetz. 
Entretanto, o ato dessas trocas foi passando desapercebido pela comunidade sendo que os motivos  foram o progresso acelerado e a perda silenciosa daquelas práticas ancestrais. Os depoimentos de Iracy Fries dos Santos, 90, moradora da rua Augusto Zatti esquina com a Borges de Medeiros refere que a roseira ali plantada lhe foi dada pela amiga Dorli Bender há aproximadamente 60 anos. 

Outro depoimento é de Maria de Lourdes Terres Gil, 81, também residente na mesma avenida, na altura do n° 3880 refere que a muda da roseira fora ofertada pelo padrinho Joca Lima, morador de Canela há aproximadamente 70 anos. 
Acredito que o que deve ser sublinhado com estes dois depoimentos é que a cidade possui em seu meio social uma expressão histórico cultural com fundamentos antropológicos que, se não é exclusivo, serviu, ao longo das décadas, de exemplo à proliferação do paisagismo. 

É por isso que vejo nas flores que hoje se debruçam nas floreiras e jardins as mais dignas sucessoras das singulares expressões de amizade e compadrio. Por sua vez os turistas, por meio de seus registros, criam verdadeiros mosaicos como símbolos de suas presenças em nossas terras. 

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